segunda-feira, 27 de julho de 2009

Um dia se é o vigilante, outro o vigiado

Outro dia estava em meu quarto, me preparando para ir para a academia, quando vi pela minha janela uma imagem singular: Um homem, de uns 50 anos, com o torso nu, estava olhando pela janela de um prédio perto do meu. O interessante é que o corpo dele saía da janela, ele parecia estar muito interessado no que olhava. De repente, ele entra e sai correndo para dentro de sua casa. Eu fiquei estranhado: O que ele poderia ter visto que faria ele sair correndo? Ou seria talvez que alguém estava vindo e ele não queria revelar sua personalidade voyeur?

A verdade era, ao mesmo tempo, inusitada e previsível: Ele voltou correndo segundos depois com um binóculo na mão, e procedeu a olhar de novo para fora. A corrida estava explicada: Ele tinha encontrado alguma cena muito interessante e não queria perdê-la, mas precisava analisá-la a fundo. Eu fiquei olhando, perplexo. Um homem olhando com binóculos pela janela me pareceu demais. Binóculos. Imaginem qual não foi meu pânico quando ele soltou o objeto com uma das mãos. Mas, graças a Deus, ele só coçou o pescoço.

Eu fui embora para a academia, mas a cena ficou na minha cabeça. Parecia-me perturbador. Mas, aos poucos, fui percebendo que o que eu tinha feito não era tão diferente assim. Tudo bem que eu não tinha ido pegar binóculos, mas a verdade era que tinha ficado preso por uma cena interessante (claro que nem remotamente tão interessante quanto a que o homem devia estar vendo). E, oh supressa, quando voltei em casa, olhei de novo pela janela. E outras vezes depois. Consegui descobrir, por exemplo, que o homem é casado, e têm no mínimo um filho e uma filha. O filho gosta de jogar videogame (de futebol, especificamente) até altas horas da manhã. No andar de baixo mora um casal também, com filhos pequenos, e o marido faz academia. Em outro prédio, num andar que fica na altura do meu, mora uma família de pai, mãe e filho, sendo que o pai trabalha com videogames (não tem hora que eu passe e ela não esteja sentado jogando, e os equipamentos no quarto mostram que é seu trabalho). Ele almoçam muito cedo e jantam muito tarde. Embaixo deles mora um homem de meia idade que adora fumar cigarros de palha na janela da área de serviço. Ele namora um outro homem bastante mais jovem, com quem costuma jantar lasanha. Uns andares mais acima, alguém acabou de se mudar e contratou uma empregada que dorme dentro de casa.

Pode até parecer que eu passo meus dias na janela. Não é assim. Com uns poucos momentos por dia eu cheguei a conhecer a rotina destas pessoas, me surpreendendo com o previsíveis que chegam a ser. E com o tanto que eu sei delas, e ao mesmo tempo o pouco que sei. É engraçado, comecei a criar uma certa ansiedade de um dia encontrá-las na vida real. Eu não sei seus nomes, mas posso adivinhar que hora irão dormir. Não sei sua história, mas sei com quem moram.

Comentei com outros. Não sou o único. Em horas de tédio, a janela chega a ser melhor do que a televisão. É uma espécie de Big Brother, sem o fingimento, as confissões e o prêmio. Mas, como no programa, você é uma testemunha a algo completamente alheio e sobre o que, no entanto, você passa a criar opiniões. Sobre seus cortes de cabelo, suas escolhas de roupa, a decoração de suas salas. Inclusive sobre seu comportamento. Outro dia eu vi o marido que vai à academia brincando com seus filhos no sofá e meu coração se encheu de ternura. Aí, claro, eu fui viver minha vida.

Há um pensamento, no entanto, que me incomoda: Será alguém testemunha da minha vida? Será que alguém já fez deduções sobre mim, sobre o que faço e como me comporto? Vai ver um dia olho pela janela e vejo um par de binóculos apontados para mim.

domingo, 12 de julho de 2009

O insuportável mundo real

Hoje assisti ao filme Watchmen. Gostei bastante. Por duas razões. Uma, por que é um bom filme. Técnica e artisticamente falando, é um filme lindo de se ver, bem feito, com ares de 300 (ou seja, um surrealismo que faz o filme ser mais bonito que a vida real). Segundo, porque possui uma história bem contada. Ele tem mais de duas horas, mas cada minuto vale a pena, e tenho certeza de que ver uma segunda vez é uma ótima idéia. O filme consegue contar tudo desde o começo ao fim mostrando cenas chave que, se bem no começo eram confusas, no final fazem muito sentido (principalmente uma introdução com créditos que é fantástica).

O que não gostei do filme, no entanto, é que foi mais um exemplo do estereótipo no que as coisas “adultas” caíram hoje em dia: Uma ótima história com cenas de sexo e violência que não tem nada a ver.

Na minha opinião, um produto de entretenimento que se auto-classifica adulto (quando, claro, seu objetivo é entreter) terá uma história complicada e profunda, do tipo que crianças não conseguiriam entender ou pela qual não se veriam interessadas. É o caso, por exemplo, de Watchmen. Ou de 100 Balas, um ótimo comic que recomendo a todos. Não só possuem histórias que prendem, senão também fazem pensar em questões filosóficas e morais. De um jeito bom, claro, não entediante.

Só que parece que os escritores não conseguem fazer um título adulto sem torná-lo impróprio. Todas as cenas de violência em Watchmen (que eram chocantes para qualquer um) eram completamente dispensáveis e poderiam ter sido mostradas de outro jeito. Por exemplo, tínhamos que ver uma machado sendo baixado sobre a cabeça de um assasino várias vezes. O ponto era mostrar como a personagem tinha mudado. Para isso, não bastava saber que o criminoso tinha sido morto? As cenas de sexo, também, não se relacionavam muito bem com o restante do filme. Que duas personagens façam sexo não quer dizer que nós temos que ver isso. Como acontece em outro comic que estou lendo, Scalped (não publicado no Brasil), onde o sexo aparece explicitamente sem razão aparente. Não só explícito, senão cru. E de violência nem se fala.

Por que estou reclamando de isto tudo? Por que percebi, enquanto assistia a um prisioneiro de Watchmen ter seus braços decepados com uma serra, que estou me tornando insensível. De tanta violência, tanto sexo e tantos palavrões na fala (sério, as personagens de Scalped não conseguem dizer algo sem adicionar “fuck”), estou me tornando insensível a isso. E quando acontece na vida real, como o Super Notícias mostra todo dia, não sinto muito espanto. É normal, penso.

Mas é mesmo? Será que na “vida real” (porque é, supostamente, aí que os produtos adultos querem se separam dos outros: eles supostamente mostram a vida como ela é) todos somos uns insensíveis cruéis que não dão nada para o mundo, e que não sentem o menor remorso em matar alguém, estuprá-lo, fazer coisas horríveis com sua família e depois nos embebedamos até dormir? Será que o mundo não tem nada de bom?

Não quero acreditar que sou eu que está ficando ingênuo. Sei que o mundo não é um mar de rosas, e que existe um mar de pessoas cuja vida não vale um centavo. Mas será que é demais pedir um entretenimento que exalte o que há de melhor em nós, em vez de dizer “que se foda o mundo, que diferença faz”? Que nos mostre por que vale a pena ser como somos e não muito piores? Que nos mostre que há coisas que estão errado, e que aqueles que o fazem serão eventualmente castigados? Porque, sinceramente, depois de ler ou assistir a um produto adulto, não dá vontade de acordar de manhã. Ou de fazer absolutamente nada.
Enfim, meu ponto é o seguinte: A todos aqueles que produzem entretenimento adulto, por favor, chega desse mundo. Adulto deve significar complexo, intrigante, profundo e talvez um pouco mais cru que os outros. Só isso. Violência cada duas cenas ou sexo a cada três páginas não torna um produto adulto. O torna sofrível.