segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Vejo uma idéia em seu passado

Uma música muito bonita em espanhol possui a seguinte frase: “a dónde van las palabras que nunca llegaron al papel” (acho que a frase dispensa traduções). Essa é uma pergunta que ronda minha cabeça já por um tempo. Como eu disse no primeiro post deste blog, ter idéias e não fazê-las é uma das minhas especialidades. Tanto assim que enumerá-las pareceu-me uma boa idéia para um post. E essa eu vou cumprir.

Uma das primeiras que lembro foi fazer papel reciclado. Eu devia ter uns sete anos. Peguei várias folhas de todo tipo de papel, piquei, molhei, amassei, misturei com cola e, quando já tinha o que se chama de papel machê (ou seja, uma massa disforme e nojenta pronta para virar o que você quiser), desisti. A dita cuja havia sido amassada na banheira de brinquedo de uma das bonecas de minhas irmãs; ainda hoje a banheira lilás cheia de papel machê me assombra, como um fracasso que ainda não superei. Demais está dizer que a banheira foi esvaziada no lixo e devolvida a sua verdadeira dona.

Outra foi fazer perfume ambiental. Amassei vários tipos de folhas de árvore, juntei com casca de laranja e joguei tudo num vidro de café. Voilá. O aroma exalado era bom até pelos padrões dos adultos, que elogiaram meus dons. No entanto, para sentir o cheiro precisava-se cheirar na abertura do vidro. O danado não se espalhava. Isso não me deteve: Inventei a técnica de colocá-lo frente a um ventilador. Um sucesso. Mas ele acabou subindo à cabeça: Eu, com oito anos, e minha irmã, com cinco, tivemos a visão de uma produção em massa, com perfumes feitos segundo a vontade do cliente. Começamos a separar as folhas e cascas em sacolas plásticas, ingredientes que seriam servidos conforme requisitado. Não demorou um dia para eles mofarem. Mais uma idéia que acabou, literalmente, no lixo.

Houve outras que inclusive encontraram aprovação fora de minha família. Com doze anos, resolvi virar espião. Peguei um caderno e várias canetas coloridas e comecei a xeretar a vida dos outros. Deu certo, até ganhei outros seguidores. Mas aí mudei de país. Mesmo assim quis continuar. Adivinha o quê? Acabei esquecendo. Meu mundo de óculos escuros e chicletes de menta (que eu achava essenciais para ser um espião) esvaiu-se.

Minhas experiências com blogs não podiam deixar de entrar na lista: Dos que mais serviam como um Orkut porque só umas três pessoas comentavam, aos que tiveram só um post (e foram vários)... a gama é variada. Todos esquecidos. Exceto esse aqui (por enquanto).

Incontáveis livros foram começados, até o último detalhe já planejado. Com o primeira página de cada um deles eu fazia uma Bíblia. Não preciso falar que nenhum passou do terceiro capítulo. Fazer o quê. O único romance que já escrevi até agora foi o que eu não sabia muito bem como iria desenrolar. A improvisação me levou pelo caminho. Se eu souber cada passo que vou dar, para quê me dar o trabalho?

Houve também uma época na que achei que sabia desenhar. Comecei meu próprio mangá. A única página que ele teve deve estar metros e metros baixo terra, junto com outros dejetos. Comics americanos também foram alvo de minhas maquinações, mas nunca tive a coragem de começar nenhum.

Enfim, acho que dá para ver que tenho mais idéias das que posso executar. Mas suponho que uma bem executada equivale um Nilo das que foram abortadas. Talvez por isso continuo escrevendo este blog, mesmo que ninguém comente.

domingo, 23 de agosto de 2009

Tenho, um mundo de interpretações

Nesta semana de volta às aulas, surpreendi-me ao ver que, mesmo meu curso não tendo muito a ver com o assunto, muitas de minhas matérias discutiam arte. Já fosse a pintura Guernica, de Picasso, ou a relação fotógrafo-fotografado, ou mesmo a evolução da pintura através dos tempos, encontrei que cada dia eu discuti um assunto relacionado à arte.

Eu tenho uma visão tradicional sobre o tema: Ou a obra é linda, ou não é. Se o que vejo na minha frente é algo que eu poderia ter feito (e meus dotes artísticos não vão muito além de bonecos de palitos) então não é uma obra de arte. É uma bobagem. Eu sei, a beleza é subjetiva e afins, mas eu simplesmente não tenho paciência. Ou me surpreende, ou não vale a pena tentar. (Estou falando de artes gráficas, mas este raciocínio também se aplica a “poemas” do estilo: “acordo/olho pela janela/o céu é azul”).

Minhas considerações aparte, muito discuti nesta semana sobre o significado da obra, sobre o quê tal ou qual pintura/escultura quis dizer. O quê elas expressam. Do que elas falam. Sendo uma espécie de artista eu mesmo (se bem da prosa) posso dizer já: Se o que o artista quis dizer não ficou claro, então ele não quis dizer nada. Em qualquer tipo de arte. Onde for.

Essa mania moderna de interpretar obras (“vejam como os tons vermelhos dos cabelos da moça remetem ao comunismo russo”; “se você ler com atenção, perceberá que o cachorro é uma alegoria ao poder divino”) é a responsável pela decadência da arte nos últimos séculos. Quantas vezes não ouvi dizer “Quando vi/li/ouvi, não achei grande coisa, mas depois de ver a interpretação comecei a gostar”? O artista pode fazer o que quiser – mesmo – e ele tem a confiança de que o mundo irá interpretar de uma maneira que ele nem mesmo pensou, mas que o tornará celebre do qualquer jeito. Todos podemos ser artistas. Ninguém o é.

Isso sem mencionar que os interpretadores têm quase o mesmo prestígio que os artistas em si. Ser o maior experto em Machado de Assis é, na mente de alguns, melhor do que ter escrito Dom Casmurro. Afinal de contas, Machado não se deu o trabalho de explicar sua obra. Ele somente a escreveu. Ele deu o primeiro passo para que a humanidade desse os outros trezentos na direção de explicar se Bentinho é um corno ou não (dica: Machado está morto. Nunca vamos saber. E a dúvida não é o ponto do livro?).

Não estou dizendo (percebi que uso muito essa frase em meus textos, deve ser medo de interpretação) que o artista não possa usar de certa ambigüidade ou de sutileza. É até bom. Alguns dos livros que mais gosto deixam suas mensagens claras sem ser completamente óbvios. Mas interpretar além do que o autor mostra, ou quando o autor não mostra nada, é uma bobagem. A arte é auto-explicativa. Não pode estar sujeita a escrutínio e normas. Não é para isso que ela serve.

Melhor estávamos na época em que se uma obra valia uma fortuna, era porque o artista era talentoso (e essa palavra quer dizer “inimitável”, não “infinitamente interpretável”) e porque seu trabalho havia sido, de fato, um trabalho. Árduo. Demorado. Enfim, digno de admiração. Se bem, que pensando um pouco, naquela época as obras não valiam uma fortuna. Os artistas raramente eram reconhecidos enquanto estavam vivos. Que ironia.

P.S.: Você entendeu o que eu quis dizer neste texto? Procure bem, e verá uma crítica a situação política brasileira. Ou não. Cada um cada um, não é?

domingo, 9 de agosto de 2009

Iraque 2.0

Não sei se já mencionei isto antes, mas eu assino duas revistas americanas, GQ e Wired. Recomendo as duas. Juntas, não por separado. Elas conseguem um balanço entre conhecimento e entretenimento que não escapa o banal, mas ei, ninguém lê revista pra filosofar sobre a vida.

Hoje, já chegando no final da Wired, comecei a ler uma reportagem sobre um grupo de executivos do Silicon Valley (o vale da tecnologia nos EUA, onde estão algumas das maiores companhias do ramo) que fez uma visita ao Iraque. Era um grupo misto: Representantes do Twitter, Meetup, AT&T e, claro, Google (eram três: do Google em si, do YouTube e mais outro que não lembro de onde era). Sua missão: Trabalhar junto ao governo do país para ajuda-lo a se recompor. Não eram essas as palavras que a revista usava, mas em fim, era o objetivo da visita.

Não preciso dizer que meu primeiro pensamento foi “como?”. Em um país que, segundo a mesma reportagem, banda larga é um luxo e os mais ricos sempre tem mais de um celular porque as linhas vivem caindo (se uma cai, usam a outra), de que adianta ter twitter? Aliás, mesmo se tivessem uma ótima fiação e cobertura, qual seria o tweet do dia: “Dois carros bombas explodiram ontem aqui perto. A parede do meu quarto rachou um pouco. Mas acho que agüenta mais algumas explosões”? (pode parecer exagero de minha parte, mas a reportagem terminava com os executivos sendo levados embora porque havia ameaças de um carro bomba por perto que, de fato, explodiu algumas horas depois).

Na mente dos executivos de Silicon Valley, e, aparentemente, de grande parte do mundo, um país com YouTube e Facebook não precisa de comida e infra-estrutura. Claro que avanços tecnológicos são importantes, mas isso quando o básico está assegurado. E, em Iraque, o básico não está assegurado. O pior é que, na verdade, a idéia da visita partiu de políticos iraquianos, não dos americanos em si. Eles não pareceram entender que o progresso é uma escada, não dá para pular para o último degrau sem ter passado pelos outros. Inclusive culturalmente, o país não está preparado para a internet e suas maravilhas (ou pragas, dependendo de que lado se olha).

Talvez o problema seja a importância que se atribui a coisas que não são tão importantes. Acho que um país consegue viver sem MySpace muito bem. É só olhar para alguns anos – não décadas, anos – atrás. Não existia. Por que alguém priorizaria a chegada de sites de relacionamento e informação a um país que não só não tem internet direito, como também não tem saúde a alimentação garantidas? Não é minha intenção depreciar o Iraque, mas não se pode negar que as condições pós-invasão estão muito abaixo do ideal. E meu ceticismo me diz que não são posts de 140 caracteres que vão tornar o Iraque um país de primeiro mundo. O Brasil tem e ainda está muito longe.

Enfim, pode não ter ficado claro: Os iraquianos tem todo o direito do mundo de surfar a internet e se conectar uns com os outros. Sejam felizes. Os seus políticos é que não tem o direito de colocar a internet por cima de outras necessidade bem mais básicas. E talvez não seja culpa deles, senão do resto do mundo que celebra a “revolução digital” sem esquecer tudo ao que ela está atrelada.

P.S.: Eu sei que, ao postar este texto, estou fazendo parte daquilo que pareço estar criticando. Só gostaria de lembrar meu leitores que eu tenho comida, saúde e educação plenas. Coisas que, mesmo assim, continuam no topo de minha lista de prioridades.

domingo, 2 de agosto de 2009

"Don't give up the fight"

De uns meses para cá, comecei a me preocupar com minha saúde. Com meu corpo, aliás. Senti que havia passado da hora de ganhar alguns músculos. Faz tempo que faço academia, mas nunca com o intuito de ganho de massa, senão para manter um condicionamento.

Fui na nutricionista, montei uma dieta, comecei a fazer exercícios direcionados ao ganho de músculo. Comprei shakes e barras de proteína, troquei pão de forma por integral e cereal matinal por granola. Revivi o liquidificador de casa, para preparar vitaminas. Enfim, mudei meus hábitos.

Com todas essas mudanças, veio uma inesperada: Parei de correr na esteira. Eu corria todos os dias, mas acabou que era contra producente, e tive que parar. Depois de alguns meses, no entanto, comecei a ficar preocupado. E se começasse a ganhar gordura? Ou perdesse meu condicionamento aeróbico? Achei uma solução: Correria aos fins de semana, quando não ia na academia. Perguntei à nutricionista, perguntei na academia. Todos concordaram: Não ia fazer mal.

Não queria correr na esteira. Por algum motivo, não me parecia bom. Então escolhi uma praça aqui perto de casa e comecei, todos os sábados e domingos. É uma experiência e tanto. Eu não escuto música, não meço meus batimentos cardíacos nem escuto as minhas músicas favoritas (isso eu faço quando eu malho, mas não quando corro. Acho que tenho medo de roubarem meu MP3 um dia). Eu vou, só eu e minha chave de casa. Pensar na vida. Rezar um terço, se for sábado (domingo eu rezo com minha família).

Não é o que dizem. Não é um afrodisíaco, uma experiência extracorpórea ou um momento de realização. Aliás, no meio da corrida, você quase não vai conseguir pensar. Tem horas que eu juro, aliás, que vou ter um ataque cardíaco e desmaiar. E no final, não sinto como se tivesse feito grande coisa. O peso do meu sucesso não cai sobre mim. O descanso não compensa tudo. Mas continuo voltando, fim de semana após fim de semana. Não gosto nem desgosto, faço porque preciso.

Se tem, de fato, uma coisa que correr me mostrou, é que a maior parte das vezes, só perdemos quando deixamos de lutar. Sinceramente, não há nada me puxando quando sinto que não consigo respirar, mas eu continuo correndo. Porque preciso. Porque eu sei que faz bem. E, de alguma maneira, consigo continuar. E voltar. E de novo.

Até agora, não fiquei muito musculoso. Talvez um pouco mais definido, maior nas costas, um tanquinho na barriga. Alguns já me disseram: “Não é seu biótipo. Não adianta. É genética”. Ora bolas, se fosse por isso nem tinha começado. Com certeza meu metabolismo é acelerado, eu tenho problemas para ganhar peso. Mas justamente por isso eu tenho que tentar com força, com vontade. E com paciência. Só assim um dia vou poder colher os frutos.

Então, se tivesse que escolher uma razão para recomendar a alguém que pegue um par de tênis e o que mais achar que precisa e sair por aí para correr, seria esta: Correr ensina um pouco sobre a vida. Na vida, assim como na corrida, às vezes não há mais esperança e tudo parece perdido. Nem lembramos da razão pela qual lutamos (ou corremos). E, nesses momentos, só nossa força de vontade pode nos levar para a frente, até o lugar onde tudo ficará claro novamente e ficaremos felizes de não ter desistido.

E, se nunca ficar musculoso, pelo menos vou ser muito saudável.