domingo, 9 de agosto de 2009

Iraque 2.0

Não sei se já mencionei isto antes, mas eu assino duas revistas americanas, GQ e Wired. Recomendo as duas. Juntas, não por separado. Elas conseguem um balanço entre conhecimento e entretenimento que não escapa o banal, mas ei, ninguém lê revista pra filosofar sobre a vida.

Hoje, já chegando no final da Wired, comecei a ler uma reportagem sobre um grupo de executivos do Silicon Valley (o vale da tecnologia nos EUA, onde estão algumas das maiores companhias do ramo) que fez uma visita ao Iraque. Era um grupo misto: Representantes do Twitter, Meetup, AT&T e, claro, Google (eram três: do Google em si, do YouTube e mais outro que não lembro de onde era). Sua missão: Trabalhar junto ao governo do país para ajuda-lo a se recompor. Não eram essas as palavras que a revista usava, mas em fim, era o objetivo da visita.

Não preciso dizer que meu primeiro pensamento foi “como?”. Em um país que, segundo a mesma reportagem, banda larga é um luxo e os mais ricos sempre tem mais de um celular porque as linhas vivem caindo (se uma cai, usam a outra), de que adianta ter twitter? Aliás, mesmo se tivessem uma ótima fiação e cobertura, qual seria o tweet do dia: “Dois carros bombas explodiram ontem aqui perto. A parede do meu quarto rachou um pouco. Mas acho que agüenta mais algumas explosões”? (pode parecer exagero de minha parte, mas a reportagem terminava com os executivos sendo levados embora porque havia ameaças de um carro bomba por perto que, de fato, explodiu algumas horas depois).

Na mente dos executivos de Silicon Valley, e, aparentemente, de grande parte do mundo, um país com YouTube e Facebook não precisa de comida e infra-estrutura. Claro que avanços tecnológicos são importantes, mas isso quando o básico está assegurado. E, em Iraque, o básico não está assegurado. O pior é que, na verdade, a idéia da visita partiu de políticos iraquianos, não dos americanos em si. Eles não pareceram entender que o progresso é uma escada, não dá para pular para o último degrau sem ter passado pelos outros. Inclusive culturalmente, o país não está preparado para a internet e suas maravilhas (ou pragas, dependendo de que lado se olha).

Talvez o problema seja a importância que se atribui a coisas que não são tão importantes. Acho que um país consegue viver sem MySpace muito bem. É só olhar para alguns anos – não décadas, anos – atrás. Não existia. Por que alguém priorizaria a chegada de sites de relacionamento e informação a um país que não só não tem internet direito, como também não tem saúde a alimentação garantidas? Não é minha intenção depreciar o Iraque, mas não se pode negar que as condições pós-invasão estão muito abaixo do ideal. E meu ceticismo me diz que não são posts de 140 caracteres que vão tornar o Iraque um país de primeiro mundo. O Brasil tem e ainda está muito longe.

Enfim, pode não ter ficado claro: Os iraquianos tem todo o direito do mundo de surfar a internet e se conectar uns com os outros. Sejam felizes. Os seus políticos é que não tem o direito de colocar a internet por cima de outras necessidade bem mais básicas. E talvez não seja culpa deles, senão do resto do mundo que celebra a “revolução digital” sem esquecer tudo ao que ela está atrelada.

P.S.: Eu sei que, ao postar este texto, estou fazendo parte daquilo que pareço estar criticando. Só gostaria de lembrar meu leitores que eu tenho comida, saúde e educação plenas. Coisas que, mesmo assim, continuam no topo de minha lista de prioridades.

Nenhum comentário: