domingo, 23 de agosto de 2009

Tenho, um mundo de interpretações

Nesta semana de volta às aulas, surpreendi-me ao ver que, mesmo meu curso não tendo muito a ver com o assunto, muitas de minhas matérias discutiam arte. Já fosse a pintura Guernica, de Picasso, ou a relação fotógrafo-fotografado, ou mesmo a evolução da pintura através dos tempos, encontrei que cada dia eu discuti um assunto relacionado à arte.

Eu tenho uma visão tradicional sobre o tema: Ou a obra é linda, ou não é. Se o que vejo na minha frente é algo que eu poderia ter feito (e meus dotes artísticos não vão muito além de bonecos de palitos) então não é uma obra de arte. É uma bobagem. Eu sei, a beleza é subjetiva e afins, mas eu simplesmente não tenho paciência. Ou me surpreende, ou não vale a pena tentar. (Estou falando de artes gráficas, mas este raciocínio também se aplica a “poemas” do estilo: “acordo/olho pela janela/o céu é azul”).

Minhas considerações aparte, muito discuti nesta semana sobre o significado da obra, sobre o quê tal ou qual pintura/escultura quis dizer. O quê elas expressam. Do que elas falam. Sendo uma espécie de artista eu mesmo (se bem da prosa) posso dizer já: Se o que o artista quis dizer não ficou claro, então ele não quis dizer nada. Em qualquer tipo de arte. Onde for.

Essa mania moderna de interpretar obras (“vejam como os tons vermelhos dos cabelos da moça remetem ao comunismo russo”; “se você ler com atenção, perceberá que o cachorro é uma alegoria ao poder divino”) é a responsável pela decadência da arte nos últimos séculos. Quantas vezes não ouvi dizer “Quando vi/li/ouvi, não achei grande coisa, mas depois de ver a interpretação comecei a gostar”? O artista pode fazer o que quiser – mesmo – e ele tem a confiança de que o mundo irá interpretar de uma maneira que ele nem mesmo pensou, mas que o tornará celebre do qualquer jeito. Todos podemos ser artistas. Ninguém o é.

Isso sem mencionar que os interpretadores têm quase o mesmo prestígio que os artistas em si. Ser o maior experto em Machado de Assis é, na mente de alguns, melhor do que ter escrito Dom Casmurro. Afinal de contas, Machado não se deu o trabalho de explicar sua obra. Ele somente a escreveu. Ele deu o primeiro passo para que a humanidade desse os outros trezentos na direção de explicar se Bentinho é um corno ou não (dica: Machado está morto. Nunca vamos saber. E a dúvida não é o ponto do livro?).

Não estou dizendo (percebi que uso muito essa frase em meus textos, deve ser medo de interpretação) que o artista não possa usar de certa ambigüidade ou de sutileza. É até bom. Alguns dos livros que mais gosto deixam suas mensagens claras sem ser completamente óbvios. Mas interpretar além do que o autor mostra, ou quando o autor não mostra nada, é uma bobagem. A arte é auto-explicativa. Não pode estar sujeita a escrutínio e normas. Não é para isso que ela serve.

Melhor estávamos na época em que se uma obra valia uma fortuna, era porque o artista era talentoso (e essa palavra quer dizer “inimitável”, não “infinitamente interpretável”) e porque seu trabalho havia sido, de fato, um trabalho. Árduo. Demorado. Enfim, digno de admiração. Se bem, que pensando um pouco, naquela época as obras não valiam uma fortuna. Os artistas raramente eram reconhecidos enquanto estavam vivos. Que ironia.

P.S.: Você entendeu o que eu quis dizer neste texto? Procure bem, e verá uma crítica a situação política brasileira. Ou não. Cada um cada um, não é?

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